quarta-feira, 2 de novembro de 2011

História do Museu

Antecedentes

A década de 1940 caracterizou-se no Brasil como um período de grande efervescência no plano econômico e político. A ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, havia marcado o fim do liberalismo e uma maior interferência do Estado na vida econômica do país, mas fatores de ordem internacional, como a Segunda Guerra Mundial e a crise de 1929, favoreceram um surto de desenvolvimento industrial, em substituição ao ciclo do café, tendo como consequência direta a criação das condições necessárias ao crescimento urbano e à instalação de uma "estrutura cultural" no país. Em São Paulo, particularmente, o período se notabilizou pela consolidação de um vigoroso parque industrial. O estado, a essa altura, já havia suplantado o Rio de Janeiro como principal produtor de bens de consumo do país. A capital paulista prosseguia em sua trajetória de extraordinário crescimento populacional. Atraindo inúmeras indústrias e concentrando uma expressiva e poderosa elite, abandonava progressivamente o aspecto de cidade provinciana.

No plano cultural, sem embargo, São Paulo ainda distava muito da então capital federal, onde o debate estético encontrava-se muito mais adiantado e o poder público já assimilava as manifestações modernas internacionais (sendo o edifício do Ministério da Educação e Cultura o exemplo maior de tal contexto). Sua referência mais notável continuava a ser a Semana de Arte Moderna de 1922. Se por um lado esse evento havia permitido alguma abertura aos artistas modernos nos salões oficiais, influenciado a criação de grupos e associações como a Sociedade Pró-Arte Moderna e a Família Artística Paulista e garantido alguma substância ao debate estético, por outro, seus propósitos não chegaram a atingir o grande público nem a definir um circuito artístico local. A cidade contava com uma casa de ópera de prestígio e com uma grande quantia de cine-teatros, de programação bastante diversificada, mas havia um único museu voltado à arte, a Pinacoteca do Estado, dedicada quase exclusivamente à arte acadêmica. A Escola de Belas Artes seguia a mesma orientação e eram poucas as galerias comerciais abertas às tendências modernas.

Assis Chateaubriand, de perfil, em 1937.

Pietro Maria Bardi.

Assis Chateaubriand, fundador e proprietário dos Diários Associados - à época o maior conglomerado de veículos de comunicação do Brasil – foi uma das figuras mais emblemáticas desse período. Comandava um verdadeiro império midiático, composto por 34 jornais, 36 emissoras de rádio, uma agência de notícias, uma editora (responsável pela publicação da revista O Cruzeiro, a mais lida do país entre 1930 e 1960) e se preparava para ser o pioneiro da televisão na América Latina - e futuro proprietário de 18 estações. Dono de um espírito empreendedor, Chateaubriand manteve uma postura ativa no processo de modernização do Brasil e utilizava-se da influência de seu conglomerado para pressionar a elite do país a auxiliá-lo em suas iniciativas, quer fossem políticas, econômicas ou culturais. Em meados dos anos quarenta, criou a "campanha da aviação", que consistia em enérgicos pedidos de contribuições para a aquisição de aeronaves de treinamento a serem doados ao aeroclubes do país. Como fruto da iniciativa, cerca de mil aviões foram comprados e doados às escolas para formação de pilotos. Terminada a campanha, Chateaubriand iniciaria uma nova e ousada empreitada: a aquisição de obras de arte para formar um museu de nível internacional no Brasil.

Chateaubriand pretendia sediar o futuro museu no Rio de Janeiro, mas optou por São Paulo por acreditar que nessa cidade teria mais sucesso em arrecadar os fundos necessários para formar a coleção. O mercado de arte internacional passava por um momento propício para quem dispunha de fundos para adquirir obras de relevo e o Brasil passava por um momento de grande prosperidade. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a Europa em reconstrução, muitas coleções eram postas à venda. O aumento exponencial da oferta derrubou os preços das obras de arte em níveis inéditos. Chateaubriand, entretanto, embora fosse um apreciador de obras de arte, era um leigo no assunto. Para movimentar-se nesse mercado, selecionando peças de alto valor e com garantias de autenticidade, precisaria do auxílio de um técnico especializado e experiente. Assim, convidou Pietro Maria Bardi para ajudá-lo na empreitada.

Pietro Maria Bardi, galerista, colecionador, jornalista e crítico de arte italiano, havia viajado ao Rio de Janeiro na companhia de sua esposa, a arquiteta Lina Bo, para apresentar a Exposição de Pintura Italiana Antiga no Ministério da Educação e Saúde, organizada pelo Studio d'Arte Palma, dirigido por Bardi em Roma. Durante um almoço em Copacabana, no verão de 1946, Chateaubriand lhe convidou para auxiliar a criar e a dirigir um "Museu de Arte Antiga e Moderna" no país. Bardi objetou que não deveria haver distinção entre as artes, propondo denominar a instituição apenas como "Museu de Arte", e aceitou o convite. Planejando ficar à frente do projeto por apenas um ano, dedicar-se-ia a ele pelo resto de sua vida, tendo dirigido a instituição por quase meio século. Mudou-se definitivamente com Lina para o Brasil, trazendo consigo seu acervo artístico particular e uma vasta fototeca com imagens de obras consagradas.

A fundação e os primeiros anos

Nos três primeiros anos de atividade, o museu funcionaria em uma sala de mil metros quadrados, no segundo andar do Edifício Guilherme Guinle, na rua Sete de Abril, centro de São Paulo, projetado pelo arquiteto francês Jacques Pilon para ser a sede dos Diários Associados. Lina Bo Bardi projetou os espaços no primeiro andar, eliminando paredes e elementos decorativos constantes do projeto original, a fim de que o espaço obedecesse a um ambiente estritamente funcional. Além da pinacoteca, contava com uma sala de exposição didática sobre a história da arte, duas salas para exposições temporárias e um auditório com 100 lugares. Essa divisão refletia o interesse dos fundadores em conceber a nova instituição como centro difusor de conhecimento e cultura, opondo-se à ideia de museu como simples depósito de obras de arte.

Auto-retrato com Barba Nascente, de Rembrandt (c. 1635). Uma das primeiras aquisições do museu.

O museu foi inaugurado em 2 de outubro de 1947, com a presença do governador do estado, Ademar de Barros e do ministro da educação, Clemente Mariani, além de outras personalidades do mundo artístico e político. No dia seguinte, os primeiros visitantes chegaram para ver a incipiente coleção, ainda com poucas peças, destacando-se o Busto de atleta, de Pablo Picasso e o Auto-retrato com barba nascente, de Rembrandt. Duas exposições temporárias também puderam ser vistas: uma com a Série Bíblica de Cândido Portinari e outra com obras de Ernesto de Fiori.

Nos anos seguintes, o espaço passaria a oferecer cursos sobre história da arte, mostras de artistas nacionais e estrangeiros de todas as correntes, manifestações de teatro, música e cinema, transformando o museu em um ponto de encontro de artistas, estudantes e intelectuais em geral. Assim, o MASP inaugurava o conceito de espaço museológico multidisciplinar, tornando-se uma das primeiras instituições do mundo a atuar com perfil de centro cultural, décadas antes da fundação do Centro Georges Pompidou, em Paris.

O Escolar, de Van Gogh(1888). Recepcionado por um desfile de estudantes em Salvador.

Paralelamente às atividades didáticas, o acervo continuava a crescer. Chateaubriand, sempre respaldado pela influência dos Diários, havia desenvolvido um eficiente sistema visando angariar fundos para as aquisições. Negociava com empresários a doação de recursos para comprar obras de arte, em troca de contratos de anúncios de suas empresas em toda a cadeia associada dos Diários (rádio, jornais, revistas e, pouco depois, televisão). Comprometia-se também, após a aquisição das obras, a distribuir títulos de mecenas aos doadores. Cada nova aquisição era festejada com uma suntuosa recepção, com a mais ampla cobertura possível dos Diários, quer no museu, quer na casa dos doadores, ou até mesmo em campo aberto – como se registrou à chegada da obra O Escolar, de Van Gogh, recepcionada por um grande desfile de estudantes nas ruas de Salvador Edmundo Monteiro, executivo de mídia dos Diários Associados e, posteriormente, presidente do MASP, era o principal responsável pelas finanças do museu e íntimo colaborador de Chateaubriand, tendo sido de grande importância sua atuação para o equacionamento do sistema que permitiria a aquisição do acervo.

O plano de aquisições do MASP se assentava ainda na perspectiva de uma alta de preços no mercado internacional de arte. Cálculos baseados em pesquisas de mercado indicavam, por exemplo, que os preços de pinturas do Impressionismo deveriam subir entre 20 e 25% ao ano após a década de 1950. Assim, Bardi e Chateaubriand compravam tudo àquilo que parecesse passível de uma expressiva valorização futura, o que, por meio de trocas e vendas, forneceria os recursos necessários para formar uma coleção mais homogênea.

As escolas do MASP

Três anos após a fundação, visando acomodar o crescente acervo, o museu passou a contar com mais três andares do Edifício Guilherme Guinle. O terceiro andar foi reservado para a coleção permanente e se destacava pelo partido museológico adotado: as paredes eram suspensas por tirantes de aço, com iluminação planejada e sem a intervenção de paredes. Cursos e palestras ocupavam o quarto e o décimo-quinto andares. No segundo andar, ficavam os auditórios, e espaços expositivos, além de biblioteca e laboratório fotográfico. Os novos espaços foram inaugurados pelo presidente da república, Eurico Gaspar Dutra, com a presença do banqueiro Nelson Rockefeller e do cineasta Henri-Georges Clouzot.

A ampliação dos espaços permitiu ao museu diversificar a sua atuação didática. Assim, em 1950, foi criado o Instituto de Arte Contemporânea, englobando diversos cursos, com o objetivo principal de suprir importantes lacunas no ensino técnico e artístico da cidade. O primeiro curso ministrado pelo instituto foi o de gravura, aos cuidados de Poty Lazzarotto e Renina Katz. O de desenho foi confiado a Roberto Sambonet, importante designer italiano. Gastone Novelli e Waldemar da Costa lecionaram pintura, e o polonês August Zamoyski, escultura. Neste mesmo ano, o museu lança a revista Habitat, que se torna um importante veículo de divulgação de uma estética moderna de viés funcionalista.

Lina Bo Bardi coordenou a Escola de Desenho Industrial do MASP, a primeira iniciativa voltada ao campo do ensino de desenho industrial no Brasil, onde lecionaram Carlos Bratke, Gregori Warchavchik, Lasar Segall e Leopold Haar. O curso, criado nos moldes do Instituto de Design de Chicago, dava continuidade aos métodos pedagógicos da Bauhaus, tendo formado importante contingente de designers brasileiros. No setor do cinema, realizaram-se seminários sob a orientação de Marcos Margulies e Tito Batini, tendo como ponto alto o curso ministrado pelo cineasta Alberto Cavalcanti, diretor da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Na área de teatro, o MASP promoveu um seminário paralelo ao de cinema, coordenado por Beatriz Segall, que mais tarde tornou-se um departamento, sob-responsabilidade de Gianni Ratto.

Outras iniciativas do museu no campo didático incluíam cursos de fotografia e ecologia. No campo da moda, destacou-se um audacioso projeto coordenado por Luisa Sambonet e Roberto Sambonet, reunindo pela primeira vez artistas, designers e representantes da indústria de tecidos do país, com o objetivo de criar e confeccionar uma moda inteiramente nacional. Por fim, a constatação de que a publicidade brasileira deixava a desejar levou o museu a criar uma Escola de Propaganda, sob coordenação de Rodolfo Lima Martensen, onde atuaram importantes referências da área no Brasil. A iniciativa acabaria crescendo e ganhando autonomia, transformando-se na atual Escola Superior de Propaganda e Marketing.

As grandes exposições promovidas pelo museu nos seus primeiros anos também ganharam notoriedade, com o conseqüente aumento na freqüência, o que permitiu a formação de um público cada vez mais numeroso e interessado. Destacaram-se as mostras individuais dedicadas a artistas contemporâneos, como Le Corbusier, Alexander Calder, Paul Klee e Max Bill, entre outros. A retrospectiva do designer e arquiteto Max Bill é considerada um marco histórico no processo de divulgação na arte concreta no Brasil. Teve grande repercussão também o desfile de moda de Christian Dior, ocasião para qual Salvador Dalí criou o Costume do ano 2045, posteriormente adquirido pelo museu.

Ressurreição Kinnaird, deRafael (1499-1502). Adquirida em 1954, às vésperas da exposição na Tate Gallery, emLondres.

As Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch(1500). Adquirida por Chateaubriand para integrar a turnê na Europa.

A turnê internacional

Na década de 1950, o museu ensaiava a internacionalização de suas atividades. Chateaubriand havia adquirido para o MASP a Villa Benivieni, antiga residência de Alexander Mackenzie, em Fiesole, nos arredores de Florença, com o objetivo de lá abrigar estudantes latino-americanos que quisessem se especializar em história da arte. O projeto não pôde ser levado adiante, pois o museu viu-se obrigado a vender a residência quando passou por dificuldades financeiras na década seguinte.

Em 1953, a coleção já havia adquirido um volume suficientemente importante para que o MASP fosse convidado a expor suas obras em museus estrangeiros. Pietro Maria Bardi planejava uma forma de consolidar o acervo do museu, submetendo-o à avaliação crítica internacional, como forma de responder às insinuações de parte da imprensa brasileira de que Chateaubriand estava criando um museu de obras falsas. Entrou em contato com Germain Bazin, então diretor do Louvre, que lhe assegurou a possibilidade de albergar a mostra na capital francesa.

Formalizado o convite do governo francês, organizou-se a exposição com cem pinturas do MASP no Musée de l'Orangerie, em Paris. A mostra, inaugurada pelo presidente da França, Vincent Auriol, teve um inesperado sucesso: diversas reportagens e críticas publicadas em periódicos franceses confirmavam a boa impressão causada pelo acervo, registrando-se uma excepcional afluência de público. A repercussão foi tão intensa que diversos outros museus europeus solicitaram a exposição: de Paris, as obras seguiram para o Palais des Beaux-Arts de Bruxelas e, em seguida, para o Centraal Museum de Utrecht, sendo apresentadas ainda no Kunstmuseum de Berna, na Tate Gallery de Londres, na Kunsthalle de Düsseldorf e no Palazzo Realede Milão.

Recusando outros convites de museus europeus, Bardi aceitou o do Metropolitan Museum de Nova Iorque. Nos Estados Unidos, muitas outras instituições requisitaram a mostra, mas além do Metropolitan, ela só pôde ser vista no Toledo Museum of Art, em Toledo, Ohio, pois precisava retornar ao Brasil para ser exposta no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, concluindo em 1957 a turnê iniciada quatro anos antes.

O penhor do acervo

O longo período de apresentações de obras do museu na Europa foi bastante prolífico para o aumento da coleção. À medida que as exposições iam se sucedendo, apareciam boas oportunidades no mercado. Bardi e Chateaubriand decidiram, portanto, comprar mais algumas obras. Para isso, assumiram uma dívida considerável com duas tradicionais galerias comerciais, a Wildenstein e a Knoedler. Quando as obras foram apresentadas nos Estados Unidos, o representante da Galeria Knoedler, Walter J. Leary, impaciente por uma solução, decidiu executar a dívida, solicitando à justiça norte-americana o seqüestro das obras. Georges Wildenstein recusou-se a tomar a mesma atitude. A respeito do assunto, declarava: "Somos criadores e não liqüidantes de museus".

Para efetuar o pagamento, Chateaubriand solicitou a David Rockefeller um crédito de cinco milhões de dólares junto à Morgan Guaranty Trust Company, a ser pago em parcelas semestrais. A garantia de pagamento era o penhor de todo o acervo. A dívida, no entanto, era demasiadamente alta, e somente a primeira parcela foi paga. Diante da possibilidade das obras serem confiscadas, Chateaubriand recorreu diretamente ao presidente, Juscelino Kubitschek, que autorizou a Caixa Econômica Federal a conceder um empréstimo ao museu para honrar as dívidas contraídas no exterior, detendo dessa forma o controle da coleção. Os futuros problemas financeiros do museu impediriam que a dívida junto ao governo brasileiro fosse paga. A situação só seria equacionada muito tempo depois, durante a gestão de Antônio Delfim Netto no Ministério da Fazenda, quando, para quitar o débito, o governo decidiu utilizar todo o montante arrecadado com a Loteria Esportiva, destinada, por lei, à cultura.

A nova sede (1958-1968)

O Belvedere Trianon, sobre o vale da avenida Nove de Julho, em 1930.

Fachada do atual edifício, na avenida Paulista.

No final da década de 1950, o crescente volume do acervo e a ampliação das atividades didáticas do museu demandavam espaços mais amplos e adequados a atividades museológicas regulares. Na tentativa de solucionar o problema, Bardi fez contatos com a Fundação Armando Álvares Penteado(FAAP). Ficou acertado que o museu teria um espaço no edifício que a fundação estava erguendo no bairro de Higienópolis, onde seria exposto seu acervo, ao qual se juntariam as obras do fundador da FAAP (hoje reunidas no Museu de Arte Brasileira). As obras do MASP chegaram a ser expostas nas salas da fundação, mas Bardi mostrou-se preocupado com a qualidade de algumas peças a serem incorporadas à coleção. Preferiu romper o acordo, recomeçando a busca por uma nova sede.

Havia então, na avenida Paulista, um terreno no local antes ocupado pelo belvedere Trianon, tradicional ponto de encontro da elite paulistana, projetado por Ramos de Azevedo e demolido em 1951 para dar lugar a um pavilhão, onde fora realizada a primeira Bienal Internacional de São Paulo. O terreno havia sido doado à prefeitura por Joaquim Eugênio de Lima, idealizador e construtor da avenida Paulista, com a condição de que a vista para o centro da cidade fosse preservada, através do vale da avenida Nove de Julho.

Lina Bo Bardi, ciente da situação do terreno e das condições impostas pelo doador, considerava o local ideal para a construção da nova sede. Contou seus planos a Edmundo Monteiro, que, por sua vez, decidiu negociar a concessão do terreno com Ademar de Barros. Ademar era candidato à eleição para a prefeitura de São Paulo. Acertou com Edmundo Monteiro de fazer a sua campanha pelos Diários Associados, de graça, comprometendo-se, caso fosse eleito, a aprovar a concessão do terreno para a construção da nova sede. Eleito, Ademar manteve o acordo, dando início aos trabalhos.

"É, para mim, motivo de especial satisfação inaugurar este magnífico Museu de Arte. A sua beleza, simplicidade e a perícia com que foi construído tornam-no mais um impressionante exemplo do espírito de iniciativa dos paulistas. Sinto-me feliz também em pensar que ele abrigará uma coleção de quadros de um dos mais ativos e generosos embaixadores que jamais foram à Corte de St. James: o dr. Assis Chateaubriand. Lembro-me muito bem de seu espírito e estuante personalidade e todos sentimos, profundamente, que ele não esteja mais aqui conosco neste dia. Aos paulistas desejamos, meu marido e eu, felicidades e prosperidade. É com grande prazer que declaro inaugurado este Museu."

Elizabeth II, em seu discurso de inauguração da nova sede do MASP, em 8 de novembro de 1968.

Lina Bo Bardi concebeu arquitetonicamente a atual sede do MASP. Para preservar a vista exigida para o centro da cidade era necessário ou uma edificação subterrânea ou uma suspensa. A arquiteta optou por ambas as alternativas, concebendo um bloco subterrâneo e um elevado, suspenso a oito metros do piso. A construção é considerada única pela sua peculiaridade: o corpo principal pousado sobre quatro pilares laterais, resultando em um vão livre de 74 metros, à época considerado o maior do mundo. A inovação foi viabilizada pelo trabalho do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, que aplicou na obra a sua própria patente de concreto protendido.

O edifício, projetado em 1958, levou dez anos para ser concluído. As obras se estenderam ao longo dos mandatos de Ademar de Barros e Prestes Maia, sendo somente finalizadas durante a gestão de Faria Lima. A nova sede do MASP foi finalmente inaugurada em 8 de novembro de 1968, na presença do príncipe Filipe e da rainha Elizabeth II, da Inglaterra, a quem coube o discurso de inauguração. Lina Bo coordenou a exposição de abertura, intitulada A mão do povo brasileiro, dedicada à cultura popular do país. A arquiteta inovou na forma de expor a coleção permanente, ao utilizar lâminas de cristal temperado amparados por blocos de concreto como suportes para as pinturas. Paradoxalmente, essa forma de exibição deixou de ser adotada pelo MASP no momento em que, no fim dos anos noventa, passou a ser estudada internacionalmente.

Os anos setenta

Assis Chateaubriand não chegaria a ver a inauguração da nova sede do MASP. Faleceu alguns meses antes, em 4 de abril de 1968, vítima de uma trombose. Seu império jornalístico, por sua vez, já havia começado a se esfacelar desde o início da década de 1960, com dívidas crescentes e com a concorrência da rede de jornais de Roberto Marinho, fazendo escassear os recursos que haviam permitido a formação do acervo. Bardi se preocupava com o futuro do museu e da coleção, cuja integridade já havia sido ameaçada na década anterior. Assim, em 1969, a pedido do museu, a coleção foi tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN). Tornou-se assim inalienável, faz parte do patrimônio brasileiro e qualquer movimentação de obras para fora do país necessita de autorização expressa do IPHAN.

Apesar das dificuldades financeiras do MASP terem se agravado após a morte do fundador, impossibilitando a aquisição de novas obras, o museu conservou seu perfil de instituição dinâmica. Em 1970, organizou e sediou a primeira edição do Congresso Internacional de Histórias em Quadrinhos, do qual participaram artistas consagrados, como Burne Hogarth eLee Falk, entre outros. Em 1973, o museu foi convidado a expor obras do acervo em várias instituições japonesas, iniciando um longo e profícuo intercâmbio com este país. Quando retornou, a coleção foi apresentada no Palácio do Itamaraty, em Brasília. Parte do acervo seguiria novamente para o Japão, em uma série de exposições realizadas entre 1978 e 1979.

Em 1977, em comemoração aos 30 anos do museu, Leon Cakoff, crítico, jornalista e diretor do Departamento de Cinema do MASP, organizou a Mostra Internacional de Cinema, com 16 longas-metragens e 7 curtas de 17 países, e inaugurou a modalidade de voto do público para a escolha do melhor filme. O vencedor da primeira edição foi Hector Babenco, com Lúcio Flávio, o passageiro da agonia. A mostra, realizada anualmente desde então, tornou-se uma das mais importantes e tradicionais do Brasil. Seguiu vinculada ao museu até 1984, quando ganhou autonomia.

Em 1978, ganhou amplo destaque na imprensa a restauração da imagem em terracota de Nossa Senhora de Aparecida. Retirada das águas do rio Paraíba em 1717, a imagem foi fragmentada em 175 pedaços, após um atentado na Basílica de Aparecida. A restauração ficou a cargo de Maria Helena Chartuni, chefe do Departamento de Restauro do museu entre 1965 e 1988. Também em 1978, o museu lançou um dos primeiros cursos de museografia do Brasil, em tempo integral e com bolsas de estudo, visando formar pessoas capacitadas a atuar em instituições museológicas.

Dos anos oitenta ao afastamento de Bardi

Em 1982, a província japonesa de Mie, que mantém convênio de irmandade com o estado de São Paulo, solicitou ao MASP o empréstimo de parte da coleção para inaugurar seu museu regional. A exposição foi novamente solicitada por museus de outras cidades japonesas, retornando ao Brasil no ano seguinte. Em troca desses empréstimos, o MASP recebeu generosas doações em dinheiro, ao mesmo tempo em que consolidava a importância da coleção no oriente.

Em 1983, o MASP apresentou uma mostra completa sobre o Expressionismo Alemão, com obras de todos os representantes dessa corrente. Em 1986, organizou uma exposição com 360 gravuras de Pablo Picasso, amplamente visitada. Nesse mesmo ano, a cidade italiana de Florença foi a Capital Européia da Cultura, e como parte das comemorações, solicitou ao MASP o empréstimo da série completa de 73 esculturas de Edgar Degas, para serem apresentadas no Palazzo Strozzi. Depois disso, a exposição seguiu para Verona, Roma, Nápolese Gênova, retornando ao Brasil somente em 1988.

Goya (espanhol, 1746-1828). Retrato do Cardeal Luis María de Borbón y Vallabriga, 1798-1800. Óleo sobre tela, 200 x 106 cm.

Outras exposições internacionais de obras do MASP seriam organizadas no fim dos anos 1980. O objetivo principal era manter as obras em ambientes adequados, enquanto a sede do museu passava por obras de impermeabilização da cobertura. Foram organizados dois grupos de obras, que seguiram para a Itália em duas etapas. A primeira, intitulada Da Raffaello a Goya… Da Van Gogh a Picasso, foi apresentada em Milão, Trento, Nápoles, Palermo eBari. A segunda, Da Manet a Toulouse-Lautrec, seguiu posteriormente para Verona, Monza, Gênova, Palermo e Bari. Os catálogos das exposições foram redigidos por Ettore Camesasca. Após as mostras na Itália, as obras seguiram para a Fundação Pierre Gianadda, em Martigny, Suíça, apresentando-se em seguida na Kunsthalle de Mannheim, no Museu Villa Stuck de Munique, e no Kunsthalle de Berlim. Finalmente, algumas obras foram reunidas na mostra De Manet a Matisse, apresentada no Museu Van Gogh, de Amsterdã. Em 1989, o museólogo Fábio Magalhães, ex-diretor daPinacoteca do Estado e do Memorial da América Latina, assume o cargo de curador-chefe, no qual permanecerá até 1994.

Em 1991, o museu apresentou ao público brasileiro a exposição Albert Eckhout e seu Tempo, com peças relacionadas ao período da dominação holandesa em Pernambuco, tendo como ponto alto as pinturas de Eckhout conservadas no Museu Nacional de Arte da Dinamarca. No exterior, o MASP voltou a expor seu acervo no Japão, em Nara, Yokohama e Kobe, entre 1990 e 1991. Outra seleção de obras do acervo seguiu para instituições latino-americanas: a coleção de esculturas de Degas, exposta no Banco de la República, em Bogotá e posteriormente no Museu de Belas Artes de Caracas, e a mostra De Manet a Chagall, no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile.

Em 1996, bastante abalado desde a morte de Lina, ocorrida em março de 1992, Bardi afasta-se da direção do MASP. Falece poucos anos depois, em 10 de outubro de 1999, aos 99 anos de idade. Bardi permaneceu à frente do MASP por 49 anos, e, embora nunca tenha ocupado o cargo de presidente da instituição, foi durante todo esse tempo o efetivo "comandante" do museu, coordenando todas as suas atividades, à exceção do Departamento de Finanças, sempre confiado a Edmundo Monteiro.

A gestão Júlio Neves (1994-2008)

Em 1994, ultrapassando José Mindlin por um voto, o arquiteto Júlio Neves é eleito pelo conselho diretor presidente do MASP. Sem concorrentes nos pleitos seguintes, Júlio Neves exercerá sete mandatos consecutivos, dirigindo o museu por 14 anos. Sua gestão, bastante polêmica, seria amplamente criticada pela suposta inconsistência do projeto curatorial e do programa museológico. Critica-se, também, a forma como Neves conduziu a crise financeira do museu, bastante acentuada nos seus últimos anos à frente da presidência.

Júlio Neves coordenou a grande reforma do edifício, levada a cabo entre março de 1996 e setembro de 2001, ao custo de R$ 20 milhões. Também polêmica, a reforma, embora tenha sanado problemas críticos do edifício, foi criticada por supostamente descaracterizar o projeto original de Lina. A direção também determinou a substituição dos cavaletes de concreto e vidro do segundo andar, idealizados por Lina, pelo tradicional sistema de divisórias.

Em 1995, Luiz Marques, historiador da arte e professor da Unicamp, assume a curadoria do museu, permanecendo no cargo pelos dois anos seguintes. Após sua saída, Luiz Hossaka, assistente de Bardi desde a fundação do MASP, assume a função. Luciano Migliaccio, arquiteto e professor de história da arte, também seria colaborador ocasional do museu, escrevendo expertises sobre obras do acervo e chefiando a curadoria de algumas exposições.

Nos primeiros anos da gestão Júlio Neves, o MASP organizaria diversas de mostras de grande porte, que atraíram recordes de público à época, e que ajudaram a inserir o Brasil no circuito das "megaexposições". Em 1996, o museu apresentou Arte italiana em coleções brasileiras, uma seleção de mais de 500 obras representativas da arte da Itália conservadas em coleções públicas e privadas do país. No ano seguinte, em comemoração ao cinqüentenário do museu, realizaram-se as mostras Monet no Brasil e Michelangelo na História da Arte Italiana, que trouxe pela primeira vez ao hemisfério sul obras deste mestre do Renascimento. Ao término deste ano, o museu registra o maior fluxo de visitantes de sua história: 850 mil pessoas. Em 2001, o museu apresentou Egito Faraônico – Terra dos Deuses, com 120 peças do acervo do Louvre.

A partir de então, a situação começa a mudar. O modelo de "megaexposições", que se consolida no Brasil, tende a concentrar público e, consequentemente, o grosso do patrocínio de empresas privadas. Sem fôlego para competir com instituições financeiramente mais bem amparadas, o MASP perde público, arrecadação e patrocínios, ao mesmo tempo em que crescem suas dívidas. Em 2004, a direção do museu penhora a tela Retrato de Camões, obra-prima do pintor português José de Guimarães (avaliada à época em R$ 4,29 milhões) como garantia de pagamento de uma dívida trabalhista com o INSS, no valor de R$ 3,3 milhões. Em 2006, o museu tem o fornecimento de energia elétrica cortado, em função de uma outra dívida, de R$ 3,5 milhões, com a Eletropaulo.

Em 2005, Neves apresenta uma proposta para ampliar os espaços administrativos do museu. Com o patrocínio da Vivo S.A., adquire, ao preço de R$ 12 milhões o vizinho Edifício Dumont-Adams. O objetivo era utilizar o edifício como base para uma torre, com 110 metros de altura, em cujo topo seria exibido o logotipo da empresa que financiou a aquisição. A proposta foi vetada pelo CONDEPHAAT e pelo CONPRESP, sob a justificativa de que a torre interferiria negativamente no entorno do bem tombado.

Em setembro de 2006, depois de um período de quase dez anos sem contar com direção técnica especializada, o MASP anunciou a contratação de Teixeira Coelho, professor titular da USP e ex-diretor do MAC, para o cargo de curador-coordenador. Uma das primeiras mudanças executadas por Teixeira Coelho foi a modificação da forma de expor o acervo permanente. As obras, até então apresentadas segundo critérios cronológicos e geográficos, passam a ser reunidas em mostras temáticas de longa duração.

Roubo de obras do acervo

No dia 20 de dezembro de 2007, por volta das cinco horas da manhã, três homens invadiram o museu, levando duas obras importantes do acervo: O Lavrador de Café de Cândido Portinari e Retrato de Suzanne Bloch de Pablo Picasso. A ação durou cerca de três minutos.

As obras foram encontradas pela polícia paulista em 8 de Janeiro de 2008, em Ferraz de Vasconcelos, na Região Metropolitana de São Paulo, sem terem sofrido danos. Dois homens foram presos na operação que resgatou as obras. Na época do roubo, as duas pinturas estavam estimadas em aproximadamente US$ 55 milhões.

No segundo semestre de 2008, o museu inaugurou o seu novo sistema de segurança. Avaliado em R$ 1 milhão, o sistema, que conta com 96 câmeras de segurança digitais e sete monitores de alta resolução, foi doado pela empresa coreana LG.

Novo Presidente

Em novembro de 2008, o advogado João da Cruz Vicente de Azevedo, ex-secretário-geral do museu durante a gestão Neves, assumiu a presidência do MASP.